segunda-feira, 18 de maio de 2009

Dos livros. Como deuses dadivosos e eternos...


Dos livros. Como deuses dadivosos e eternos... Jorge Luis Borges bem nos diz que o livro é o instrumento mais espetacular dentre os diversos instrumentos utilizados pelo homem. Considera-o uma extensão da memória e da imaginação. Por esse dizer do escritor argentino, o livro é algo maravilhoso na vida humana. Suas palavras dormindo nas páginas aguardam infinitamente, na essência de seu dinamismo e movimento, o despertar de alguma intervenção leitora, redescobrindo e renovando assim as suas potencialidades. Há então, extrema importância no ato leitor. De abrir o livro, decifrá-lo e fazê-lo existir. A explosão silenciosa do encontro entre um leitor e um texto é algo mais que especial. É sempre revolucionário e promotor de mudanças. Quando ocorre uma leitura o livro cumpre o seu destino. Caso contrário, não serviria para nada. Numa ocasião andei perguntando de leve a alguns amigos escritores sobre explicações plausíveis do porquê deles escreverem.De um modo raso entendi que quando a gente escreve e deixa palavras impregnadas numa página podemos aceitar a idéia de que, de um certo modo, continuaremos vivos.Para além dos tempos. Acredito que eles disseram a verdade. Se não, endosso essa quase mentira com uma boa verdade sobre a existência dos livros. Eles podem manter acesa a vida pulsante de seu autor, de seu pensar. São eternos porque poderão invadir tempos futuros e dialogar com o leitor, num infinito encontrar. A menos que não aconteça um desastre do tipo uma pandemia de ratos vorazes e trituradores ou uma catástrofe ecológica que dizime toda a vida na terra ou simplesmente como aconteceu no período nazista quando da queima de livros tidos como objetos obscenos, os livros são predestinados para a eternidade. A leitura tem uma função importante na história de mudanças e transformações. Por isso será sempre nobre a atitude mediadora e humana em aproximar o leitor com o autor, através de suas palavras, e assim captar e capturar suas inspirações, aspirações e idéias. Uma pândega de descobertas. Os livros guardam em si o poder de manterem vivos os seus autores. Mais especificamente, o que eles pensaram, imaginaram, impregnaram em si durante as suas existências. Assim, como a vida das palavras depende do sopro de vida leitor, podemos dizer que as leituras eternizam os seus autores. Ontem li um trecho de um livro, Pequenos poemas em prosa, de Baudelaire. Lá estavam intactos e impressos ao meu primeiro olhar textos publicados nos idos de 1857, nos jornais La Presse e Le Fígaro. São breves textos que evocam as caminhadas do poeta por Paris no tempo em que viveu e escreveu. Na minha leitura no agora ele renasce como uma flor do bem e do mal recém desabrochada pela minha tentativa curiosa de elucidar acontecimentos do nosso mundo em tempos de crise. No livro, no abrir e fechar de páginas pelas mãos e pela gana do leitor, Baudelaire ainda continuará profetizando a todo aquele que comparecer. No livro há sempre a fagulha do existir. Nela, os diálogos pairam no ar, sem mistérios, como numa nuvem convidativa e inefável. Coexistem em tempos adversos que se alinham na presença de uma leitura. Um breve milagre. Os livros foram feitos de generosidade. Para arregimentar o outro, os outros. Foram feitos para serem acordados pelas leituras dos seus imprescindíveis leitores, partners de uma dança que se realiza infinitamente nos labirintos da compreensão humana. Feitos de palavras, invólucros das idéias, foram criados com os patamares para sustentar o brilho da existência de cada leitor e toda a sua história. Nesses tempos de crise, sabemos que o mundo é muito mais comandado pelo financeiro do que pelo poder que emana dos livros. Acredito que quando isso se ajustar ou se inverter o mundo vai melhorar substancialmente. Cada livro guarda sua própria vida impregnada de caprichos. E o lugar do imaginado e do inimaginável. Do inesperado, do esclarecimento, do deslumbramento. Do iluminado. Feito deuses de um Olimpo cotidiano e terreno. Fico imaginando o acontecimento extraordinário que é a cadeia de leituras que pode se construir a partir de um livro. É um acontecimento desesperadamente concreto, mas impalpável e imperceptível e que dá norte e rumo. Como os outonos e as vibrações. E o amor pelo livro é um amor que se aprende. E se apreende pelo exercício de descobertas. Mesmo que pequenas ou provisórias. A gente começa a amar um livro pelo simples vislumbre dos tantos disparadores de vida que ele guarda em si. Pela paixão e pelo jogo despertamos as palavras que se escondem e lhes dão corpo e alma. O valor de uma sala de leitura ou de uma biblioteca está no uso que os alunos ou leitores fazem desse espaço inteligente. E não no ajuntar, zelar e obter mais e mais volumes e volumes sem pó. Em contrapartida, o poder do leitor está na atitude leitora de cada um ao interpretar e transformar as próprias leituras. Essa experiência que nasce e renasce das páginas ou das telas geram outros livros potenciais. Como as palavras latejantes das páginas sustentam tantas vidas paralelas, amalgamadas e penduradas em nossa vida corriqueira?A leitura é um ato silencioso, sem alardes, sem ribombar. E uma pulsação que nos leva a inventar o que estamos vivendo. Para isso os educadores, sobretudo por ocuparem esse lugar no mundo, o de mediar os possíveis encontros do aprendiz com as palavras reverberadoras de sentidos, precisam ter alinhavado no seu fazer um projeto leitor. Como uma condição profissional, de salvação e de deleite. Lemos no espelho do olhar do nosso desconhecido ou do nosso amigo mais íntimo, lemos no outdoor um detalhe que passava desconhecido ou num ponto cego de nosso interesse, suspeita ou captação. Lemos no viés das páginas dos jornais e das revistas, lemos o incômodo, o assombramento e o fascínio sobre algo inédito, banal ou investigado. Lemos tudo o que jorra e dança nas telas dos computadores e celulares. E lemos nos livros.Tantos.E pensar que ali estão intactas e preservadas de memória e história as palavras.Na frente do nosso pensar, por entre os horrores e o bel-prazer, por entre o imperceptível e o sentido, nas soluções, links e conclusões.A palavra tem tudo a ver.A palavra é mais que uma ferramenta.O ato de leituras é o que transforma a letra em luz.Não é essa uma intenção mais que adequada para a escola? Antonio Gil Neto

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